Recentemente, circulou na imprensa notícia de decisão judicial proferida pelo juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Leme (SP) autorizando que inventariante assinasse escritura pública de inventário extrajudicial envolvendo herdeiro menor (Processo nº 1002882-02.2021.8.26.0318).
A leitura atenta dos autos processuais revela que o caso em questão não é nada simples. Para facilitar a compreensão do leitor, faz-se breve narrativa dos fatos: Paulo e Alzira, mortos, respectivamente, em 22/6/1995 e 11/8/2020, eram pais de Armando e avós de Paulo Neto, ambos falecidos, respectivamente em 26/5/2021 e 30/5/2021, sendo o último pai de João Vitor, menor de idade. Em função da morte de Armando, herdeiro de ambos, as escrituras públicas de inventário extrajudicial e partilha dos bens deixados por seus pais, que estavam prestes a serem lavradas, tiveram de ser adiadas para que fosse pedida autorização, nos inventários de Armado e Paulo Neto, para que a inventariante assinasse na condição de representante do espólio de Armando, uma vez que um dos herdeiros de Paulo Neto era menor. O adolescente, nesse caso, herda por representação ao seu genitor no inventário de seu avô paterno.
A recente decisão judicial permitiu, então, que a inventariante, esposa de Armando e mãe de Paulo Neto, participe dos inventários extrajudiciais pendentes. Os inventários de Armando e Paulo Neto, processados conjuntamente, prosseguirão pela via judicial, justamente porque há interesse de menor diretamente envolvido. Na prática, a inventariante foi autorizada a receber o quinhão que cabia ao seu marido no inventário do pai e da mãe do falecido e a partilhá-lo nos autos do inventário judicial de seu marido e de seu filho.
Feitos esses esclarecimentos, cumpre salientar que a Lei nº 11.441/2007 previu, pela primeira vez em nossa legislação, a possibilidade de um inventário ocorrer fora do âmbito judicial, desde que: 1) haja consenso entre os herdeiros; 2) não haja testamento; e 3) todos os sucessores sejam maiores e capazes. A intenção da referida lei foi desjudicializar os inventários e tornar a intervenção judicial necessária apenas quando ela se justifica, especialmente diante do elevado número de processos que se avolumam à espera de sentença judicial. Isso foi tão acertado que foi ratificado pelo legislador do Código de Processo Civil de 2015, no artigo 610, §1º.
É indiscutível que o inventário extrajudicial tende a ser mais rápido, atendendo aos anseios dos herdeiros e, ao mesmo tempo, da sociedade, que poderá gozar de máquina judiciária menos abarrotada. Porém, como se viu, não é em todos os casos que ele pode ser utilizado.
Ao contrário da previsão legal, doutrina e jurisprudência admitem a possibilidade de utilização da via administrativa quando há testamento. Esse posicionamento foi objeto do Enunciado nº 600 da VII Jornada de Direito Civil e do Enunciado nº 51 da I Jornada de Direito Processual Civil. Posteriormente, o STJ firmou entendimento nesse sentido (REsp nº 1.808.767/RJ).
A existência de testamento, de fato, parece não justificar a intervenção judicial, sobretudo porque os requisitos formais de validade podem ser facilmente verificados e sempre há a via judicial para impugnação da validade do testamento.
Por outro lado, o mesmo entendimento não se aplica quanto ao inventário extrajudicial quando há herdeiros menores. E isso não é sem razão, diante da presumida vulnerabilidade de crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. A solução encontrada pelo legislador em 2007 para proteger esses sujeitos de direito nesses casos foi a intervenção do Ministério Público, na condição de fiscal da ordem jurídica, o que só é possível na via judicial.
As particularidades do caso concreto, em que a inventariante participa do inventário de Paulo e Alzira na condição de representante do espólio de seu marido, que receberá herança e será partilhada no âmbito do inventário judicial, é adequada e não contraria a previsão legal. Em tese, o herdeiro, no inventário extrajudicial, é o espólio de Armando e o herdeiro menor só receberá o que lhe cabe após o pagamento das heranças do avô, por ocasião da ultimação da partilha dos bens deixados por seu genitor, Paulo Neto. Tanto é assim que o herdeiro menor não teria legitimidade para pleitear, em nome próprio, o recebimento de herança que cabia ao seu avô paterno no inventário de seus bisavós, prerrogativa que cabe a quem desempenha a inventariança.
Sem dúvida, a decisão judicial em questão é vanguardista — embora os seus efeitos não sejam exatamente aqueles divulgados por parte das notícias veiculadas ao caso. Além disso, ela se mostra importante porque levanta o debate sobre a questão.
Contudo, é indiscutível que a eficácia da decisão judicial em questão está restrita aos limites dos inventários em questão, o que importa reconhecer que a via extrajudicial para inventários envolvendo menores não se tornou regra e permanece sendo vedada pela legislação em vigor. Somente a alteração legal ou jurisprudencial, importante instrumento de evolução do Direito, é que poderá confirmar se a hipótese em debate vingará ou não. Aguardemos.
Felipe Russomanno é advogado da área de Planejamento Patrimonial e Sucessório | Família e Sucessões do Cescon Barrieu.
Julia Spinardi é advogada da área de Planejamento Patrimonial e Sucessório | Família e Sucessões do Cescon Barrieu.